13 de out. de 2009

Lições da base da pirâmide

Lições da base da pirâmide

A Nestlé mudou embalagens, aderiu à venda porta a porta e montou uma nova fábrica para conquistar as famílias de baixa renda

Por Época Negócios
TALENTO DA PERIFERIA Sandra da Luz Silva no bairro de Capão Redondo, na zona sul de São Paulo
A jovem que aparece na foto ao alto, Sandra da Luz Silva, conhece bem os hábitos e as necessidades da população de baixa renda. Filha de pernambucanos que vieram ganhar a vida em São Paulo há três décadas, ela vive com os pais e a irmã no Capão Redondo, bairro pobre na zona sul da cidade. Aos 25 anos, ela é um dos trunfos da Nestlé para fazer crescer suas vendas nas classes C, D e E. Contratada no início de 2005, a jovem executiva ajuda a empresa a desenvolver estratégias de venda e marketing para esses segmentos.

Quando a Nestlé se deu conta de que precisava aproveitar o momento de expansão do mercado de baixa renda, encomendou uma pesquisa sobre esses consumidores para o Instituto Fernand Braudel, onde Sandra trabalhava. Ela coordenou o levantamento e apresentou os resultados para a cúpula da Nestlé. "Estava muito nervosa, mas no final deu tudo certo", afirma Sandra. O bom desempenho na apresentação impressionou a direção da empresa, que decidiu contratá-la. Além de Sandra, outros dois jovens talentos da periferia foram incorporados à companhia para ajudar na criação de iniciativas que atraíssem o consumidor de renda mais baixa. Na mesma época, para aumentar o conhecimento sobre esse mercado, todos os diretores da Nestlé trabalharam durante uma semana em bairros afastados da cidade, onde puderam conversar com as famílias que a companhia pretendia conquistar.

A Nestlé tirou lições importantes dessas experiências. "O consumidor mais pobre evita fazer compras diariamente, para não ter de gastar 40% do salário com condução até o supermercado", diz Ivan Zurita, presidente da Nestlé. "Descobrimos também que ele não dá muita importância para embalagens. Valoriza mais a qualidade do produto e a sua marca." O consumidor de baixa renda costuma também comer com frequência na rua ou dentro do ônibus. "Como gasta boa parte do dia indo para o trabalho ou voltando para casa, é natural que se alimente quando está em trânsito."

Com as lições acumuladas sobre esse mercado, a Nestlé criou um sistema de venda direta, assim como fazem a Avon e a Natura, casos estudados pela empresa. Hoje, 6 mil mulheres circulam com carrinhos da Nestlé nas ruas da periferia de São Paulo - uma prática que deve crescer 20% até o final do ano. Cada vendedora visita algumas vezes por semana o mesmo grupo de famílias. Também faz vendas avulsas nas ruas. Alguns dos produtos oferecidos nos carrinhos receberam versões criadas especialmente para esse público. É o caso do leite em pó e do café solúvel, vendidos em embalagens menores e mais baratas, do tipo sachê. A empresa desenvolveu também versões reduzidas de alguns de seus chocolates.

Para atender à chamada base da pirâmide, a Nestlé investiu no ano passado R$ 100 milhões na criação de uma fábrica em Feira de Santana (BA). "Passamos a vender produtos mais baratos no Norte e no Nordeste graças aos incentivos fiscais e à economia em frete", afirma Zurita. A companhia vendeu R$ 300 milhões no mercado de baixa renda no ano passado. Ainda é pouco em relação ao faturamento total, de R$ 13 bilhões. "Mas estamos crescendo, esse é só o início", diz Zurita, que relatou recentemente essas experiências para a cúpula da matriz, na Suíça. O sucesso da subsidiária brasileira fez com que a Nestlé começasse a testar iniciativas semelhantes na Índia e na China.