O que Capão Redondo quer?
Eiko Lucia Itioka*
Capão Redondo fica no fim do mundo. Incrustado na região sul de Sampa, o distrito foi crescendo como toda a periferia da cidade: a partir de loteamentos irregulares, autoconstrução e grandes conjuntos habitacionais de qualidade discutível, implementados pelo Estado. Repleto de córregos, nos quais o lixo flutua, esgoto a céu aberto, áreas de risco - inundáveis e desmoronáveis. As favelas são muitas, algumas urbanizadas, outras em áreas de mananciais. Os equipamentos e serviços públicos são poucos e precários. Os que funcionam? Dá para contar nos dedos.
Se no centro histórico a população deixou de crescer e se tornou mais velha,
Será que este não é o retrato de toda periferia desta cidade, reconhecida como o carro-chefe da economia nacional, altamente tecnológica, efervescente de cultura e lazer, requintada nos serviços de hotelaria, gastronomia e consumo de luxo, mas com muitos problemas urbanos e principalmente, muito desigual?
Não, Capão Redondo tem algo de especial, pois lá também moram os feios, sujos e malvados... Assim, os moradores de lá são definidos pelos moradores de outros lados. Além de pobre, Capão já foi o campeão em violência e homicídios e perdeu parte de sua juventude, a maioria com idade de
Hoje, o estigma ainda existe, mas há uma força que vem de lá, impondo respeito. É o resultado de um trabalho silencioso feito por uma rede subterrânea de ações, grupos e entidades, que existe há muitos anos: os incontáveis projetos dos Santos Mártires, o CEDECA, a cooperativa de costureiras, os manos do hip hop, os grafiteiros, o inusitado escritor Férrez com sua literatura marginal, a artista plástica Célia Cymbalista e tantos outros. E, em 1997, Capão também gritou com o Fórum em Defesa da Vida e continuou gritando. Até rompeu com a surdez dos órgãos de governo.
De lá para cá, Capão melhorou? Melhorou. Hoje há muita coisa acontecendo. A juventude anda pela rua, se reúne nas praças, não se esconde mais, procura e faz arte e cultura. Tem festival de música todo ano e já fez sua 4ª edição, em 2007, quando recebeu o guitarrista Stanley Jordan. Festival de teatro, exposição de fotos e artes plásticas, produção de documentários, lançamentos de livros, discos e DVDs, vivem acontecendo por lá e são consumidos por lá mesmo.
Muita coisa mudou, mas ainda falta muito. As crianças continuam sem escola de qualidade, os jovens sem qualificação para o trabalho e sem emprego, o atendimento à saúde é inadequado, as drogas... ih! as drogas, sem falar em habitação, lixo, córregos, transporte. Mas Capão resolveu continuar seu grito: vai processar as instâncias governamentais, pois continua mal servido, sem equipamentos públicos ou quando existem, são de péssima qualidade. Foi notícia de jornais.
Afinal, Capão Redondo só quer cuidar de suas crianças e jovens, quer cuidar de seu futuro. Só quer cidadania. Um poeta de lá, José Neto, diz o que quer: (...) “Sou da periferia e daí? /Tenho por direito, o direito de ser feliz /Ir e vir sorrir e sonhar/Compor versos apagar o sangue/ Limpar as cicatrizes/ (...) Sou da viela, sou da quebrada/Sou da periferia e daí?”.
Março 2008
* Consultora da VM para elaboração do documento de Desenho